Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados A participação de prefeituras cearenses em esquema de desvio de recursos de emendas parlamentares, a ...
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Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados |
A participação de prefeituras cearenses em esquema de desvio de recursos de emendas parlamentares, a partir da cooptação de prefeitos para direcionamento de contratos públicos e o uso de parte desse dinheiro para o financiamento irregular de campanhas eleitorais é detalhada em decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ele foi o responsável por autorizar a operação Underhand, da Polícia Federal, nesta terça-feira (8). Nela, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão em cinco cidades cearenses e em Brasília.
Um dos principais alvos foi o deputado federal Júnior Mano (PSB), que seria um "operador ativo da engrenagem criminosa", segundo a PF. A investigação o aponta como "figura estruturante de uma organização criminosa voltada à utilização indevida de recursos públicos e à manipulação de processos eleitorais em diversas cidades cearenses".
Desde que o caso veio à tona, o deputado nega envolvimento com esquema de corrupção, diz ter plena convicção de que “a verdade dos fatos prevalecerá" e reitera “o compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública”.
Suposta cobrança de 'pedágio'
Em resumo, com base nas informações da Polícia Federal e do STF, o grupo "autorizava a destinação de emendas parlamentares, inclusive de terceiros, para prefeituras previamente cooptadas, mediante exigência de retorno financeiro na ordem de 12%". O "pedágio" ou "imposto" que seria exigido das prefeituras poderia variar, indo de 5% a 15%, detalham outros trechos do inquérito.
Os trechos do inquérito da Polícia Federal usados na decisão de Gilmar Mendes citam, pelo menos, 12 prefeituras cearenses que estariam envolvidas no esquema. O número, no entanto, pode ser maior já que a decisão não transcreve todo o inquérito da Polícia Federal.
As cidades citadas são:
Baixio
Canindé
Choró
Madalena
Mombaça
Monsenhor Tabosa
Nova Russas
Pindoretama
Quiterianópolis
Quixeramobim
Tabuleiro do Norte
Tururu
Prefeito de Baixio alvo de busca e apreensão
A operação Underhand teve seis alvos dos mandados de busca e apreensão, entre eles o prefeito de Baixio, Lúcio Barroso (Republicanos).Na decisão, é citado que o prefeito de Baixio foi alvo da operação Vectura Fraus, em dezembro de 2024, tendo sido considerado foragido por não ser encontrado para cumprimento de mandado de prisão. Ele acabou se apresentando à polícia no dia seguinte à operação.
A ação policial investigava um suposto esquema de superfaturamento e desvio de dinheiro público em contratos de locação de veículos firmados entre a Prefeitura de Pindoretama e empresas, inclusive a que pertencia a Lúcio Barroso.
O mandado de busca e apreensão do qual foi alvo nesta terça-feira foi autorizado também com base em outros elementos, que ligam Barroso ao esquema de desvio de emendas parlamentares.
O inquérito da Polícia Federal "revela o papel de Lúcio como gestor de contratos públicos voltados ao abastecimento financeiro da organização, com destaque para os serviços de transporte escolar e locação de veículos em Quixeramobim e Tabuleiro do Norte".
Além disso, também são citados diálogos entre Lúcio Barroso e Bebeto Queiroz, ex-prefeito eleito de Choró, que é apontado como líder do "núcleo operacional" do esquema de desvio de emendas parlamentares.
"Em áudios trocados com Bebeto, Lúcio relata os pagamentos realizados e informa que os valores restantes seriam entregues por intermédio de Maurício. Tal conduta denota habitualidade e confiança no repasse de valores desviados", detalha o inquérito. O Maurício citado é Maurício Gomes Coelho, também investigado pelas autoridades policiais.
"A resposta de Bebeto aos informes de Lúcio é reveladora: "Faz a prestação de conta e manda dinheiro, chefe, que estou precisando." A linguagem direta, sem subterfúgios, reforça a regularidade das operações ilícitas e indica que os recursos advinham de contratos superfaturados geridos pelo próprio investigado. A posterior afirmação de Lúcio de que "vai pedir ao Maurício para entregar o dinheiro" consolida o nexo de causalidade entre gestão pública e financiamento do grupo criminoso".
Inquérito da Polícia Federal
A Polícia Federal ressalta ainda que a participação de Lúcio Barroso "se confirma pela informalidade da linguagem, pelo uso de operadores intermediários e pela coordenação de pagamentos a partir de recursos públicos municipais".
O PontoPoder tentou contato com a Prefeitura de Baixio através de e-mail e por telefone, mas não teve sucesso. As prefeituras de Pindoretama, Quixeramobim e Tabuleiro do Norte também foram contatadas, mas sem retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
Estopim da investigação
A cidade de Canindé foi o estopim para a investigação realizada pela Polícia Federal. Ainda em setembro do ano passado, a ex-prefeita de Canindé Rozário Ximenes (Republicanos) denunciou suposto esquema de desvio de recursos de emendas parlamentares. O depoimento da ex-gestora é citado na decisão de Gilmar Mendes.
"A testemunha declara ter sido procurada pelo 'grupo do Junior Mano e Bebeto' com proposta explícita de repasse de emenda parlamentar condicionada à devolução de 15%", relata o inquérito.
É descrito ainda que ela teria sido procurada por Bebeto Queiroz para, "em articulação com o deputado federal Júnior Mano", receber uma emenda parlamentar no valor de R$ 3 milhões "condicionando sua liberação ao pagamento de percentual de retorno indevido". Segundo a gestora, a proposta foi recusada, o que teria motivado o aumento da animosidade do grupo em relação à sua administração", continua o documento.
"Acrescentou ainda que Ilomar Vasconcelos, atual vice-prefeito da chapa apoiada por Bebeto em Canindé (...) foi também seu vice-prefeito em gestão anterior", cita o inquérito. Ilomar é vice-prefeito da cidade junto a Professor Jardel (PSB), que encabeçou a chapa que concorreu a Prefeitura de Canindé — e teria sido "apoiada" por Bebeto. Rozário Ximenes citou ainda que Ilomar teria conseguido duas emendas parlamentares e, "posteriormente, passou a insistir no repasse de 10% do valor de cada emenda como retorno. A ex-prefeita afirmou ter recusado tais exigências, o que teria contribuído para o rompimento político entre ambos".
A Prefeitura de Canindé foi questionada sobre a citação do atual vice-prefeito da cidade no inquérito e também do apoio de Bebeto Queiroz à chapa encabeçada pelo prefeito da cidade. Contudo, não houve resposta.
Antes disso, quando a gestão municipal foi questionada sobre os mandados de busca e apreensão cumpridos na cidade, foi informado que "nenhum órgão da administração municipal atual, tampouco qualquer prédio público ou secretaria, foi alvo da referida operação".
"Segundo informações preliminares, os fatos investigados referem-se a gestões anteriores. A atual administração reforça que não possui qualquer envolvimento com os fatos sob apuração e reitera seu compromisso com a transparência, a legalidade e a total colaboração com as autoridades competentes", complementa a nota enviada pela Prefeitura de Canindé.
Contrato com empresas investigadas
A ligação de prefeituras de cidades cearenses com empresas investigadas por integrarem a organização criminosa para o desvio das emendas parlamentares por meio de processos licitatórios também é citada na decisão de Gilmar Mendes.
Uma delas é Tururu. Segundo o inquérito, dentro de um diálogo mantido entre dois investigados por participação no esquema de desvio de emendas, é encaminhado um Termo de Notificação de Ata de Registro de Preços da Prefeitura de Tururu. O documento é vinculado à empresa Construloc Serviços e Incorporações LTDA (renomeada de AM Construções).
"A referida empresa é reincidente em contratações suspeitas e se encontra no rol das utilizadas para simular prestação de serviços ao poder público, como forma de escoamento de recursos públicos", ressalta a investigação.
Em outro trecho da decisão, é citada a execução de contratos em três municípios cearenses: Nova Russas, Quiterianópolis e Choró. Os contratos teriam "possível viabilização por emendas parlamentares indicadas/negociadas por Junior Mano" e seria executadas por "empresas associadas ao grupo de Bebeto" e, portanto, envolvidas no desvio de recursos públicos.
Uma das empresas, chamada Shekinah Construções, pertenceria ao vice-prefeito de Monsenhor Tabosa, Wilson Sousa Cavalcante — "aliado político de Júnior Mano".
A empresa teria sido "contratada na gestão da prefeita de Nova Russas (Giordanna Mano), esposa do deputado, em processo já questionado e noticiado em mídia desabonadora por indícios de direcionamento e superfaturamento", informa o documento.
Ao PontoPoder, por meio de nota, a prefeita Giordanna Mano informou que "todos os recursos federais mencionados foram destinados a obras e ações que trouxeram benefícios à população de Nova Russas, especialmente nas áreas de saúde e infraestrutura".
"A aplicação dos valores foi realizada dentro da legalidade e devidamente analisada pelos órgãos competentes. A Controladoria-Geral da União (CGU) realizou fiscalização específica e atestou a regularidade dos investimentos. Lamento que insinuações sem provas estejam sendo usadas com fins políticos, visando influenciar o debate eleitoral de 2026".
Giordanna Mano
Prefeita de Nova Russas, em nota
As prefeituras de Tururu e Quiterianópolis também foram contatadas, mas não houve resposta. O espaço segue aberto a manifestações.
Sobre Choró, o prefeito eleito Bebeto Queiroz teria "influência sobre a estrutura administrativa e financeira da gestão municipal" da cidade, inclusive antes de ser eleito. A defesa do gestor municipal, que está foragido, disse que "não vai comentar a respeito da última decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes porque a investigação tramita em sigilo, e em respeito às disposições legais somente responderá nos autos, assim que tiver acesso formal ao procedimento".
Possível cooptação de prefeituras cearenses
Ao autorizar a busca e apreensão contra Iago Mariano Pedrosa Santana, também identificado como Yago Mano na decisão, ele cita o papel dele como "articulador financeiro da organização" e também como responsável por captar prefeituras para o esquema de desvio de recursos públicos.
Em um dos casos, é citada a realização de pagamento de R$ 50 mil "oriundos da Prefeitura M, provavelmente Madalena". O pagamento foi realizado após Yago Mano compartilhar dados bancários e a chave PIX.
Na sequência, a pessoa que confirma esse pagamento, identificada apenas como Karine F., "solicita instrução sobre o "imposto", ao que Maurício responde '5%'". "A sequência denota, com clareza, a sistemática de repasses ilícitos com uso de linguagem cifrada para encobrir tratativas de caixa 2", diz o inquérito.
O investigado também é mencionado por Bebeto Queiroz em "tratativas 'para ajudar Mombaça", continua o inquérito. Ele seria o responsável por "conduzir o processo de cooptação política e administrativa do município (investimento eleitoral), o que revela sua importância funcional para o grupo".
Ao PontoPoder, a Prefeitura de Mombaça informou que "não tem vínculo contratual ou administrativo com nenhum dos citados". "Por se tratar de uma investigação que corre em segredo de justiça, não tivemos acesso ao inquérito da Polícia Federal, mas nos colocamos à disposição da Justiça para possíveis esclarecimentos", finaliza a nota.
A prefeitura de Madalena também foi questionada sobre a citação no inquérito da Polícia Federal, mas não obteve retorno.
Operação Underhand
O deputado federal Júnior Mano foi um dos alvos da operação Underhand da Polícia Federal, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar em Brasília e no Ceará, incluindo o gabinete dele na Câmara dos Deputados.
Além dele, outras seis pessoas também foram alvo dos mandados. O cumprimento de ordens ocorreu em Fortaleza, Nova Russas, Eusébio, Canindé e Baixio. No total, foram 15 mandados expedidos pelo Supremo Tribunal Federal.
As localidades onde houve ação de agentes da PF, no entanto, não estão necessariamente ligadas à investigação, significando apenas que os investigados têm endereços ligados a eles nessas cidades.
O núcleo criminoso é suspeito de articular o direcionamento de verbas públicas a determinados municípios cearenses mediante contrapartidas financeiras ilícitas, além de influenciar procedimentos licitatórios por meio de empresas vinculadas ao grupo.
Além dos mandados de busca, foi determinado o bloqueio de R$ 54,6 milhões em contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas investigadas. Conforme a PF, a medida visa interromper a movimentação de valores de origem ilícita e preservar ativos para eventual reparação ao erário.
Os alvos são investigados pelos crimes de organização criminosa, captação ilícita de sufrágio, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica com finalidade eleitoral.
Da redação do Conexão Correio com Diário do Nordeste
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