Polêmica tem novo capítulo com disputa familiar na Justiça por terra e bens; entenda - Conexão Correio

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Polêmica tem novo capítulo com disputa familiar na Justiça por terra e bens; entenda

Foto: Jéssica Marques O litígio que envolve a “Dona de Jeri”, como ficou conhecido o caso da empresária Iracema Correia São Tiago, revela ma...

Foto: Jéssica Marques

O litígio que envolve a “Dona de Jeri”, como ficou conhecido o caso da empresária Iracema Correia São Tiago, revela mais do que uma disputa fundiária em uma das regiões mais valorizadas do litoral cearense. O caso, hoje sob análise de autoridades estaduais e federais, apresenta um enredo que mistura impasse documental e fundiário, mas também uma briga familiar na Justiça com acusações de fraude cartorária e movimentações empresariais suspeitas, em uma disputa silenciosa, mas intensa, por um dos grandes patrimônios familiares do Ceará. 

O conflito jurídico, iniciado a partir de questionamentos sobre o tamanho e a titularidade de terras em Jericoacoara, remonta os anos 1980 e atravessa décadas de operações financeiras, registros cartoriais e decisões familiares litigiosas. Os elementos indicam que o caso, que se arrasta há anos, ainda pode estar longe de um desfecho.

Divórcio e falência: o elo entre patrimônio e colapso do Bancesa 

O ponto de partida é a dissolução, em 14 de fevereiro de 1995, do casamento entre Iracema e José Maria Machado, herdeiro do Bancesa – um banco com sede em Fortaleza, liquidado no dia anterior, 13 de fevereiro do mesmo ano. A separação foi homologada com cláusulas que transferiram para Iracema um extenso patrimônio fundiário: terras em Pacatuba, Sobral e, principalmente, na então pouco explorada região de Jericoacoara. 

Documentos aos quais o Diário do Nordeste teve acesso, que integram processos judiciais entre familiares, alguns dos quais sigilosos, apontam para uma possível estratégia de “resguardar o patrimônio da família” diante do colapso do banco, fundado por Manoel Machado, sogro de Iracema. A operação é questionada ter ocorrido praticamente em sincronia com a liquidação da instituição financeira. 

Terrenos em Jeri: conflito fundiário e “falhas nos registros” 

Desde então, uma série de movimentações financeiras, patrimoniais e fundiárias entre pessoas físicas e empresas, todas relacionadas à família, compõem um cenário que se confunde entre paraíso e miragem. 

O caso ganhou os holofotes quando Iracema, por meio de sua defesa, conseguiu um acordo extrajudicial com o Estado do Ceará por terras que ficam em Jeri. Quando a imprensa jogou luz ao caso, que teve repercussão nacional, novos elementos vieram à tona.  

Em 2023, um laudo técnico contratado pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara, apontou um crescimento de 109% na área das terras atribuídas a Iracema. O aumento decorreu da unificação de três matrículas em 2007, processo que transferiu os registros de Acaraú para Jijoca de Jericoacoara. 

As áreas, antes somadas em 441 hectares, passaram a constar como 924 hectares. Segundo o laudo, a alteração teria invadido o território da Vila de Jericoacoara, o que poderia contrariar o uso coletivo e histórico da área. 

Os técnicos indicados pelo conselho dizem que houve uso de sistemas de referência "inadequados", gerando distorções nos registros. O Conselho Comunitário afirma que a área original correspondia à Fazenda Junco I, dedicada ao plantio de caju, e não alcançava a vila. A mudança teria acontecido com base em "proporções frágeis" e "averbações imprecisas" no cartório, defende o conselho. 

A defesa de Iracema neste caso específico, comandada pelo advogado Yasser Holanda, refuta essa tese e sustenta que o aumento é “legítimo e resultante da conversão para o sistema georreferenciado, mais preciso, com base em um documento do Incra”.

Após a repercussão do caso, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) suspendeu o acordo e solicitou uma perícia cartorial ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Até o momento, não há uma conclusão do trabalho. 

Em nota a esta Coluna, o Conselho Comunitário da Vila de Jericoacoara esclarece que, atualmente, aguarda a conclusão da perícia cartorária. A entidade reforça que, além deste processo, um outro procedimento movido pelo Ministério Público do Ceará também investiga o caso e pode solicitar novos procedimentos, diz a nota assinada pela presidente, Lucimar Marques. 

Transações entre sogra e nora levantam suspeitas 

Paralelamente à questão fundiária, os conflitos familiares que envolvem Iracema e os quatro filhos, expostos em processos judiciais em andamento, acrescentam mais elementos ao caso que chamou atenção da opinião pública.  

Um dos pontos sensíveis é um movimento patrimonial envolvendo uma nora de Iracema. A partir de 2007, a empresária começou a vender lotes valiosos das terras de Jericoacoara para a nora, tanto como pessoa física quanto por meio de empresa da qual é sócia. 

Na briga judicial familiar, os documentos sugerem que essas vendas podem ter sido, na prática, uma “transmissão disfarçada de bens”, numa tentativa de retirada do patrimônio do alcance de processos judiciais e de outros herdeiros que movem pelo menos três ações na Justiça Estadual sobre a possível divisão do patrimônio. 

A nora, segundo as acusações, também passou a integrar sociedades que controlam bens de Beatriz Machado, matriarca da família, mãe de José Maria Machado e sogra de Iracema. 

Assinaturas digitais e curadoria: uma idosa no centro da disputa 

Em 2018, então com 95 anos, Beatriz Machado assinou digitalmente documentos que transferiram terras avaliadas em milhões a descendentes e empresas familiares. A veracidade das assinaturas foi colocada em xeque, dado o contexto: pouco tempo depois, duas de suas filhas ingressaram com pedido de curatela judicial, com base em um laudo médico sigiloso que diagnosticava demência em grau avançado. 

Beatriz aparecia, até recentemente, como sócia de uma empresa por onde foram realizadas movimentações milionárias, segundo informações que integram os processos. Entre os sócios está uma outra empresa que representa Iracema. O conjunto de transações sugere um possível esvaziamento do patrimônio da matriarca e acirra a disputa entre os membros da família. 

Defesa rebate teses do Conselho sobre terras de Jeri 

Procurado por esta coluna, o Advogado Yasser Holanda, que lidera a defesa de Iracema São Tiago no caso da questão fundiária em Jericoacoara, fez questão de separar os casos. “A questão fundiária, da propriedade de terras da dona Iracema em Jericoacoara, nada tem a ver com possíveis conflitos familiares”. 

Segundo ele, ao reivindicar de forma legítima a posse de terras de propriedade dela, Iracema “está resguardando o patrimônio da família inteira que, naturalmente, ficará para os filhos, no futuro, em forma de herança”. Ele pondera, entretanto, que neste caso não há que se falar em herança, debate que só se inicia após a morte de qualquer pessoa. 

Sobre a seara fundiária, o advogado esclarece que há dois marcos territoriais que determinam o terreno de propriedade de Iracema. “Ao Norte o marco é o Oceano. Ao Sul, é o Travessão das Pedrinhas. O terreno fica neste local. Se o marco ao norte é o Oceano Atlântico, claro que uma parte das terras da vila, que fica à beira-mar, integram as terras de propriedade dela”, reforça. 

Ele argumenta que as divergências de tamanho das terras, sugeridas pelo Conselho Comunitário, são pouco relevantes, tendo em vista os marcos territoriais que determinam o início e o fim do terreno. As variações, segundo ele, são referentes à forma de contagem das terras ao longo de várias décadas. 

Outra questão que Yasser Holanda levanta é em relação ao acordo extrajudicial assinado entre a família e o Estado em maio do ano passado. Segundo ele, não haverá prejuízo para a Vila e nem para a comunidade de Jeri.  

“Minha cliente fez o acordo abrindo mão da maior parte das terras das quais é proprietária, justamente para facilitar um entendimento. Estamos abrindo mão de todas as áreas invadidas, de outras áreas que serão disponibilizadas ao Estado para a construção de equipamentos públicos e fins sociais e, ao fim, ficaremos apenas com pouco mais de 3 hectares. É um acordo que, ao assinar, o Estado mostra que achou vantajoso”. 

Yasser Holanda

Advogado de Iracema São Tiago

Disputa familiar na justiça: “atos praticados foram legais” 

A defesa de Iracema São Tiago no caso da disputa familiar informa, inicialmente, que embora a homologação do divórcio entre ela e o empresário José Maria Machado tenha saído em fevereiro de 1995, o processo começou a tramitar em outubro de 1994, portanto, em data anterior à liquidação do Bancesa. De acordo com os representantes dela, os dois estavam separados de fato desde meados de 1989. 

“Não houve qualquer manobra ou movimento que objetivasse proteção de patrimônio, vez que a data entre o protocolo da ação e a sentença de liquidação dos bancos são distantes e não havia nada que indicasse o estado futuro da Instituição”, diz nota enviada a esta Coluna. 

Em relação às negociações de bens entre Iracema e a nora, a defesa diz que foram feitas à luz das normas e legislações vigentes, tendo sido cumpridas todas as determinações legais “quanto a forma e conteúdo”.  As transferências, diz a defesa, foram registradas em cartórios competentes, “não havendo qualquer ilegalidade nas transações”.  

De acordo com a nota, o questionamento sobre as transações parte de uma única herdeira que “tenta, em uma ação infundada, discutir herança de pessoa viva”. Ainda segundo a defesa, uma das ações já foi encerrada com ganho de causa para Iracema.  

 Por fim, em relação aos atos relativos à Beatriz Machado, sogra de Iracema, os questionamentos encaminhados pela Coluna são alvos de processos judiciais em curso. Segundo a defesa, as assinaturas delas em contratos em 2018 correspondem a sua capacidade civil “no momento da manifestação de vontade”. A nota reforça que, naquele momento, os atos foram legais. 

“Por outro lado, o fato de existir atestado médico posterior apontando demência grave não implica, automaticamente, a nulidade dos atos jurídicos anteriores”, conclui.

Da redação do Conexão Correio com Diário do Nordeste 

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